A Transformação Silenciosa: Do Desejo à Experiência do Milagre ...
Reflexão sobre Fé e Milagres
Queridas almas amigas, muitas vezes nos encontramos diante de uma pergunta silenciosa que habita o inconsciente:
Será que ainda sou lembrado?
Será que alguém pode me salvar do meu sofrimento?
Essa pergunta, que aparece na forma de angústia, solidão ou desamparo, traduz a busca humana pelo olhar do Outro, por um reconhecimento que cure a ferida de não se sentir visto.
Na vida e no testemunho de Padre Donizetti Tavares de Lima, de Tambaú, encontramos não apenas relatos de curas e sinais extraordinários, mas também uma chave psicanalítica: a fé como sustentação simbólica, como espaço em que o sujeito encontra amparo e reconfigura o seu sofrimento.
A história do milagre vivido em minha própria família não é apenas um fato sobrenatural, mas uma narrativa que carrega profunda função psíquica. Uma garrafa de água abençoada, iluminada pela fé, tornou-se palco da aparição da imagem de Nossa Senhora.
No plano simbólico, essa visão traduz o desejo inconsciente de proteção materna, de cuidado, de colo diante da dor. O inconsciente opera por imagens, e quando a fé se une ao sofrimento humano, essa experiência é capaz de transformar a percepção da realidade. O milagre, aqui, não é apenas um fenômeno externo, mas a inscrição psíquica de que não estamos abandonados.
A psicanálise nos ensina que o milagre pode ser entendido como um deslocamento simbólico:
- a dor, antes insuportável, ganha sentido;
- o vazio, antes paralisante, se preenche de esperança;
- a paralisia existencial se converte em movimento.
Um ambulante que sofria com dores e de repente se levanta pode ser lido não só como cura física, mas como representação da libertação das correntes internas que o mantinham aprisionado.
A imagem de Nossa Senhora preservada de um incêndio traz consigo a mensagem do inconsciente coletivo: aquilo que é sagrado em nós não se destrói, mesmo quando tudo ao redor parece em ruínas.
Na linguagem psicanalítica, poderíamos dizer que os milagres revelam a possibilidade de “reencontro com o objeto perdido” o amor, o cuidado, a confiança, que muitas vezes nos escaparam na infância e ficaram como marcas de falta em nosso inconsciente.
A fé oferece um espaço de simbolização, no qual o sujeito pode transformar sua dor em narrativa, sua angústia em esperança, sua paralisia em vida.
Quantas vezes nós mesmos nos sentimos acorrentados, dominados pela culpa, pelas lembranças traumáticas, pelos fantasmas do passado. O pedido de Jesus, “tirem as correntes” pode ser compreendido como um convite terapêutico, uma convocação à libertação psíquica. É quando nos autorizamos a acreditar que podemos ser curados que se inaugura um novo caminho para o desejo.
O pequeno Braguinha, que não podia andar, simboliza cada um de nós em nossos momentos de impotência, quando carregamos “botas pesadas” do inconsciente, medos, repetições, traumas. O gesto de arrancar essas botas e começar a andar é metáfora da análise: quando damos lugar à palavra, abrimos espaço para que o inconsciente se mova e nos devolva a vida.
O caso de Joelmir Beting, envergonhado de sua voz (gago), ilustra os sujeitos que vivem silenciados pela castração simbólica, medo de não serem aceitos, medo de falarem e não serem ouvidos. Jesus, ao dizer “fala, confia, eu sou tua força”, ocupa o lugar do Outro que autoriza o sujeito a existir, a falar, a se inscrever no mundo.
A cura do menino Bruno, com pés tortos, oficializada como milagre, ultrapassa a dimensão médica. O que se escreve aqui é também uma cura do olhar da comunidade: ver um corpo antes torto agora ereto é experimentar a esperança de que aquilo que é “torto” em nós também pode ser endireitado.
Porém, os maiores milagres são invisíveis. São as transformações internas: uma mãe que volta a sorrir, um jovem que abandona a autodestruição, um coração endurecido que aprende a perdoar. A psicanálise reconhece nisso a potência da ressignificação: o inconsciente, tocado pela fé, encontra novos caminhos, novas inscrições simbólicas, novos destinos para a pulsão.
Padre Donizetti sempre lembrava: “Não sou eu quem faz milagres; é Deus.” Para a psicanálise, isso significa que o padre não é o agente da cura, mas o mensageiro simbólico, aquele que sustenta a cena em que o sujeito pode acreditar novamente. Quem cura é a fé, a confiança, a possibilidade de reposicionar-se diante da vida.
Assim, quando nos perguntamos se os milagres ainda existem, a resposta é dupla: SIM, existem os sinais extraordinários, mas existe sobretudo o milagre interno, que é quando um sujeito, tomado pelo desespero, reencontra em si mesmo a capacidade de amar, de confiar, de recomeçar.
Cristo continua passando entre nós, e continua fazendo a mesma pergunta, que ecoa tanto na espiritualidade quanto na psicanálise:
Você acredita que pode ser curado?
Você aceita transformar sua história?
Você permite que uma nova inscrição simbólica seja escrita em seu coração?
Se a resposta for sim, então o milagre já começou. Porque o maior milagre não é apenas o que se vê, é o que acontece no silêncio do inconsciente, quando um ser humano decide viver de novo.
Faça essas perguntas a você mesmo:
v Quando você acredita em algo invisível, o que em você se fortalece e o que em você resiste?
v Quando um evento inesperado acontece, você o vive mais como um acaso ou como um sinal?
v O que em você gostaria de libertar-se, mas sente medo de soltar?
v Qual é a imagem que surge em seu coração quando pensa em Deus cuidando de você?
v A figura de Nossa Senhora, de Jesus ou de um santo toca em qual parte da sua infância e da sua memória?
v Qual foi o maior “milagre invisível” da sua vida até hoje?
v Se hoje você pudesse pedir apenas uma cura, seria no corpo, na alma ou na sua história?
v O que dentro de você precisa renascer para que a sua vida continue caminhando?
Com carinho CR.